Por: Ulysses Doria Filho, sessão de Educação Médica Continuada da Sociedade Brasileira de Pediatria, fev/2003

Desde há algumas décadas identificou-se a extraordinária influência da mídia na vida de todos nós e, principalmente, na das crianças e adolescentes. Inicialmente o problema relacionava-se, principalmente, à televisão, mas, com o advento da Internet, esta passou também a ocupar um lugar de destaque como veículo formador de opiniões. A cultura vigente é a do consumo, extremamente fútil, na qual valores realmente importantes inexistem e com a fantasia triunfando sobre a realidade.

As crianças representam parcela expressiva do consumo familiar, o que explica a saturação de imagens e publicidade dirigida especificamente ao mundo infantil. Novos heróis, num mundo de sonhos, promovem a necessidade de consumir roupas, brinquedos, jogos e grifes, ao mesmo tempo em que veiculam mensagens as mais diversas. Em programas chamados de infantis são apresentados temas vulgares, alguns com forte apelo sexual e até mesmo concursos, onde crianças se esforçam para realizar coreografias erotizadas, são freqüentemente promovidos. Para se ter uma idéia do poder de influência destes programas basta observar o modo como as crianças de hoje dançam e se vestem, não causando espanto a disseminação de bonecas, botas, kits de beleza, sandálias etc.

Na pesquisa de Jo Groebel (Dep. de Psicologia da Mídia da Universidade de Utrecht) foram entrevistadas 5.000 crianças de 12 anos, em 23 países, inclusive o Brasil, ficou evidenciado o papel da mídia – principalmente da televisão, no desenvolvimento de uma sociedade cada vez mais violenta.

Nos países pesquisados cerca de 80% das crianças têm acesso a um aparelho de TV e passam 50% mais tempo vendo TV do que fazendo qualquer outra atividade fora da escola como leitura, dever de casa ou esportes.

O herói de “O Exterminador do Futuro” é o ídolo de 88% das crianças avaliadas e 50% delas gostariam de um dia serem como ele.

Todo ser humano procura um modelo de comportamento para se espelhar e a enxurrada de violência que penetra os lares através da mídia ocorre justamente num momento em que a criança está em busca deste referencial e no qual mais de 40% delas ainda não consegue diferenciar a realidade do que vê na tela. Em cada hora de programa exibido na televisão há entre 5 e 10 ações violentas – nem os desenhos animados são poupados – o que faz com que um jovem aos 20 anos de idade já tenha presenciado cerca de 25.000 mortes violentas e 200.000 atos de violência.

A televisão é a maior fonte de informação e entretenimento da maioria das crianças em muitos países e o conteúdo de sua apresentação a todos atinge ao denegrir valores morais e éticos, ao banalizar a violência e o sexo.

O que os pais podem fazer a respeito?

• Limitar o tempo para ver televisão a uma ou duas horas por dia. Antes de a criança ir assistir aos seus programas ela já deve ter concluído os seus afazeres escolares e deveres outros.

• Ajudar seus filhos a encontrar alternativas sadias para fazer ao invés de ficar vendo televisão durante horas e horas, como esportes, “hobbies” e atividades familiares em grupo.

• Escolher antecipadamente os programas adequados, fazendo um esquema a ser seguido durante a semana.

• Conhecer os programas que seus filhos vêem. Quando eles mostram cenas de sexo, álcool e abuso de outras drogas ou violência, ajude-os a compreender o que estão vendo, mostrando toda a extensão do problema – por exemplo, explicando as dificuldades que uma família irá passar quando algum de seus membros é afetado.

• Impedir que aparelhos de televisão sejam instalados nos quartos das crianças propiciando maior tempo para sua utilização e onde é muito mais difícil controlar o que está sendo visto.

• Manter livros, revistas e jogos de tabuleiro na saleta de TV.

• Ser um exemplo vivo do que deseja ensinar, isto é, lendo livros, praticando esportes, fazendo passeios com os filhos, ao invés de passar o fim-de-semana vendo televisão.

Com a disponibilização em massa do acesso à Internet o problema em relação à mídia se agrava.

Todos os dias milhares de crianças e adolescentes surfam pela World Wide Web e a cada um cabe escolher aquilo que deseja ler, ver ou ouvir, não se controlando e nem é possível fazê-lo, a qualidade de tudo que é publicado.

As crianças podem desfrutar de grandes benefícios ao usar a rede como uma rica ferramenta educacional e também de lazer sadio, mas são justamente elas, por serem crédulas e curiosas, as presas mais fáceis de criminosos e exploradores de toda sorte.

Os adolescentes, entretanto, muito mais que as crianças menores, constituem um grupo de risco particularmente importante visto estarem expostos a discussões “online”, onde buscam relacionamentos e atividade sexual, além de terem uma supervisão muito mais difícil. A falsa sensação de segurança que o anonimato propicia faz com que os diálogos freqüentemente se tornem mais pessoais e íntimos do que se tornariam numa conversa face a face com um estranho.

O fato de que centenas de crimes têm sido cometidos “online” não constitui razão suficiente para impedir o acesso de crianças à rede – elas irão usar e muito as suas habilidades no computador em todas atividades do futuro -, parecendo ser uma estratégia muito mais interessante e eficaz instrui-las quanto aos benefícios e perigos que o “cyberspace” oferece, do mesmo modo que se ensinam medidas de segurança para aquela que vai à escola ou simplesmente brincar na rua.

A facilidade de acesso à rede tem aumentado rapidamente sendo muito grande o número de provedores, entre os quais as companhias telefônicas e de TV a cabo se incluem. Mesmo que uma família não tenha computador em casa, suas crianças terão oportunidade de acessar a Internet na escola ou na casa do vizinho. O acesso é até mesmo gratuito nos dias de hoje, permitindo antever a enxurrada de informação não solicitada que estará por vir, atendendo exclusivamente a interesses econômicos, independentemente do mal que possam causar. Brevemente ao se comprar um aparelho de televisão, ele já virá com o acesso à Internet incorporado.

Os principais riscos a que as crianças estão expostas ao surfar pela Internet são:

• Exposição a material inapropriado: sexual – milhares de fotos, vídeos mostrando toda sorte de perversões-, violento, odioso, que encoraje atividades perigosas ou ilegais, ideológicos, vulgares etc.

• Agressões físicas: a criança pode passar informações “online” que coloquem em risco a sua segurança assim como a de sua família, por exemplo, fornecendo dados pessoais como seu nome, colégio onde estuda, endereço, profissão dos pais, características de sua casa, marcando encontros etc.

• Legais e financeiros: há também a possibilidade de cometer crimes como realizar compras – de passagens, bens de consumo etc – com o cartão de crédito de outra pessoa, movimentar aplicações e contas bancárias, participar de leilões, jogar em cassinos virtuais, invadir sites sem permissão etc.

• Oportunidade de experimentar jogos extremamente violentos e inclusive de fazer “download” de versões para demonstração.

• Exposição a uma comunidade praticamente infinita, incontrolável: embora a maioria das pessoas navegando pela WWW seja bem intencionada, muitos não o são, podendo tratar-se de ladrões, assassinos, pedófilos, traficantes e usuários de

drogas, membros de seitas e ordens diversas, de “gangs”, que exploram a violência, o sexo, o jogo, as drogas e os vícios em geral.

É importante conhecer a atividade dos pedófilos no Brasil e na rede: trata-se de homens e mulheres, pertencentes a todas as camadas sociais, que colecionam materiais pornográficos – vídeos, fotos, revistas etc – produzido com crianças e os utilizam para ajudar na sedução de suas vítimas, fazendo-as crer que o que está sendo proposto é aceitável; sempre trabalham discretamente e muitos exercem atividades que os colocam naturalmente dentro do mundo infantil.

Crianças na mais tenra idade têm sido envolvidas e até mesmo o estupro de crianças ao vivo já foi transmitido pela Internet. O assunto é muito importante e tem despertado interesse em todo mundo.

Concernente aos jogos violentos, desde há alguns anos são conhecidos os seus efeitos nocivos, existindo algumas centenas de trabalhos comprovando o fato. A técnica neles empregada é a mesma usada para treinamento de soldados. Ela faz com que o jogador torne automática a sua resposta violenta, com pouca participação cerebral.

A mera leitura destes itens pode levar os pais a proibir que seus filhos usem a Internet, entretanto, estes riscos estão presentes no dia-a-dia de todos, dentro ou fora dela e, nem por isso, o mundo acabou, existindo porém uma grande diferença, este novo universo está agora ao alcance de todos, ele foi trazido para o interior dos lares.

Se for verdade que as crianças aprendem o que vivem, cabe a atual geração se perguntar em relação aos seus filhos – se eles vivem continuamente a violência, o que estarão aprendendo?

Os pais devem estar atentos a alguns sinais de alarme que podem sugerir o uso indevido da Internet:

• Uso excessivo, especialmente em altas horas da noite;

• Uso de chat – salas de conversação – sem moderadores e sobre temas obscuros. Estas salas de conferência oferecem grande perigo por expor a criança a trocas não desejadas e imprevisíveis;

• Download – baixa para o computador – de grande quantidade de arquivos de figuras, provavelmente, pornográficas;

• Encontros com pessoas estranhas sem uma explicação razoável.

Outras evidências podem levar à suspeita de que uma criança ou adolescente possa estar sofrendo alguma forma de abuso, aqui entendido como qualquer forma de maltrato físico, emocional ou sexual – como o aparecimento de:

• Agressividade excessiva;

• Marcas de chupadas e mordidas auto-infligidas;

• Compulsões, fobias e crises “histéricas”.

• Distúrbios de fala e de sono;

• Sentimentos negativos em relação a si próprio;

• Faltas à escola;

• Comportamento destrutivo;

• Dificuldade em permanecer sozinho em companhia de algumas pessoas;

• Mudanças súbitas de personalidade;

• Utilização de termos pouco usuais ou novos nomes para partes do corpo.

• Queda abrupta de rendimento escolar;

Lembrar que alguns destes sinais e sintomas ocorrem em outras situações como em usuários de drogas, por exemplo.

O que os pais podem fazer:

• Ensinar aos seus filhos os riscos que eles correm usando a Internet, ao marcar encontros com desconhecidos, ao fornecer informações pessoais, ao freqüentar salas de conversação etc.

• Navegar juntamente com eles, orientando-os sobre aquilo que está acontecendo e para isso é necessário que se interessar pela Internet e parar de achar que ela é coisa para a nova geração;

• Manter o computador em uma sala de uso comum da casa, limitando o tempo de sua utilização;

• Controlar o tempo que seus filhos passam online;

• Verificar por onde seus filhos têm passeado quando estão sozinhos, o que pode ser feito consultando o histórico de acessos.

• Escolher um provedor que ofereça recursos para bloquear áreas não desejadas;

• Conhecer e instalar softwares que permitem controlar e limitar o acesso a sites inconvenientes.

• Considerar compartilhar o seu e-mail com seus filhos;

Regras básicas para os filhos:

• Nunca fornecer a sua senha para outras pessoas conhecidas ou não;

• Jamais revelar informações pessoais como seu nome, onde você mora ou os nomes de seus pais e irmãos, o número do seu telefone e qual é sua escola;

• Jamais enviar fotografias suas ou de sua família a desconhecidos através da Internet;

• Não dar prosseguimento a conversas que o façam sentir-se desconfortável ou que se tornaram demasiadamente pessoais. Informe seus pais se isto ocorrer;

• Informe-os também se receber comunicações ameaçadoras ou com linguajar baixo;

• Nunca concordar em se encontrar com alguém que você conheceu através da Internet sem o conhecimento de seus pais.

• Não aceitar produtos ou oportunidades oferecidos através da Internet.

• Nunca preencher cadastros online – questionários com informações pessoais – sem a aprovação de seus pais;

• Lembrar-se de que as pessoas na Internet podem ser qualquer um, em qualquer lugar e que nem sempre são o que e quem dizem ser;

• Cuide de você e de sua família.

# sugere-se imprimir estas regras e afixá-las ao computador, para que a todo momento sejam lembradas.

Bibliografia:

American Academy of Pediatrics, Committee on Communications – Media violence. Pediatrics 1995; 95: 949-951.

Singer DG: Does violent television produce aggressive children? Pediatr Ann 1985; 14: 804-810.

Willis E & Strasburger VC – Violência na mídia. Pediatr Clin North Am 1998 ; 2: 57- 71.

American Academy of Pediatrics – Some things you should know about media violence and media literacy. (Online). Available: http://www.aap.org/advocacy/childhealthmonth/media.htm

Walsh DA- Video game violence: what does the research say. (Online) Available: http://www.mediaandthefamily.org/1998vgrc2.html

Documento Científico do Departamento de Segurança da Criança e do Adolescente